terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Palestra aponta problema educacional das crianças que retornaram do Japão

Para Masato Ninomiya, o Japão tem jeito da mesma forma que o Brasil mudou
Com a presença de mais de 150 pessoas na palestra realizada pelo advogado Masato Ninomiya, sob o tema Voltar ou Ficar? - A situação dos brasileiros que retornaram ao Brasil, o palestrante não pretendeu fornecer nenhuma resposta diretamente. Porém, lembrou que há dois anos, sempre lhe peguntam se deve voltar ou não voltar ao Brasil?, ao que responde: “essa é uma dúvida shakespeariana (se referindo à frase da obra Hamlet, 'ser ou não ser, eis a questão'); cada um deve resolver por si próprio, mas lembro que a maioria ficou, continuam aqui cerca de 250 mil brasileiros”.
O evento foi uma realização da NPO Arace e do Centro Multicultural de Hamamatsu, local onde foi realizada a palestra no domingo (23) em duas etapas, primeiro para o público japonês e depois em português.
Ninomiya disse acreditar que em médio a longo prazo o Japão vai melhorar, assim como o Brasil melhorou muito. “Hoje os japoneses observam o Brasil como um país com grandes possibilidades de ascensão, o que não acontecia na década de 80”, lembra. “E quem poderia imaginar que o Brasil seria o quinto maior produtor de petróleo do mundo? Hoje, não precisamos mais importar petróleo”.
O palestrante deixou claro que é preciso falar de coisas boas e ruins também. Sua maior preocupação, no entanto, é quanto ao fator educacional das crianças brasileiras que retornam. Com relação aos 70 mil brasileiros retornados após a crise, muitas famílias tinham crianças em idade escolar.
Para o palestrante, esse foi o grande problema devido à questão educacional. “Se a criança estudava em escola japonesa e esqueceu o português, ao voltar para o Brasil pelo menos ela recebeu escolaridade do nível japonês e tem grandes possibilidades de se adaptar ao currículo escolar brasileiro e bastará aprender o português”, acredita. Ele cita como exemplo a sua secretária japonesa que chegou ao Brasil aos 11 anos de idade. “Até hoje ela fala com um sotaque carregado mas quando entrou na escola brasileira, possuía conhecimentos de matemática, ciências, geografia adquiridos no Japão e as notas baixas que ela tirava em português, história, ela compensava com as matérias de exatas e assim chegou na universidade sem problemas. Então foi uma questão de aprender o idioma português”.
O que deixou Ninomiya preocupado foram as crianças que estudaram em escolas brasileiras no Japão. “Fiquei estarrecido com essas crianças. Seus pais pagaram mensalidades caras acreditando que elas estariam capacitadas para dar continuidade aos estudos ao retornarem para o Brasil. Mas o que vimos foram uma sucessão de problemas”, aponta. “Essas crianças falam o português, sim! Mas não sabem escrever! Não tem condições de entrar na série correspondente em escola no Brasil”, afirma. “Li redações de diversos níveis de estudantes. Não tinham nem pé nem cabeça. Escrevem do jeito que fala, sem parágrafo, vírgula, acentuação. Gramaticalmente não tinha sentido nem lógica”.
Para o palestrante, se não fosse a crise econômica, muitas dessas crianças continuariam no Japão e ao retornar, descobririam o problema educacional tardiamente. “Acho que ainda há tempo para recuperar a educação dessas crianças, sem mencionar os problemas psicológicos. Então, todas as vezes que os pais planejarem ou agirem de uma forma irresponsável, as crianças serão prejudicadas. Não se deve pensar que em tudo se dá um jeito. Para a formação educacional de uma criança não se dá um jeito da noite para o dia”. O palestrante ainda citou um número não oficial de cerca de 100 jovens brasileiros, filhos de dekasseguis, que chegaram às universidades, ou no Japão ou no Brasil.

De volta ao Japão
Como presidente do CIATE (Centro de Informação e Apoio ao Trabalhador no Exterior), Ninomiya diz ter recebido muitos brasileiros que retornaram com a verba oferecida pelo governo do Japão, através do programa Apoio de Retorno ao País de Origem (Kikoku Shien Jigyoo, no valor de 300 mil ienes). “Muita gente veio me procurar dizendo que se arrependeram e queriam voltar para o Japão. A proposta era devolver os 300 mil ienes em troca de visto para o Japão. Infelizmente não existe esse acordo alternativo e essas pessoas deverão esperar os três anos, até poder voltar ao Japão”.

Emprego no Japão
“A situação no Japão não está fácil”, afirma o palestrante. “Não falta emprego só para estrangeiros, mas também para os japoneses e 57 por cento dos universitários que vão se formar no próximo mês de março não tem emprego garantido. Estudantes colegiais que se formaram no ano passado ainda não conseguiram emprego”.
Ninomiya lembra que a maioria deseja trabalhar em uma empresa como Mitsubishi, Sony, Panasonic, Toyota, Suzuki ou Honda. “Mas se esquecem que 90 por cento das empresas japonesas são de pequeno e médio porte, com até 300 funcionários. Nessas empresas sempre falta gente para trabalhar porque todos querem 'encostar' nas grandes, que por sua vez não tem condições de contratar todo mundo”.

Agricultura
O palestrante citou o exemplo de um brasileiro o qual foi visitar em Saitama e considera ser o dekassegui mais bem sucedido no Japão. Começou a juntar um capital trabalhando na construção de torres de alta tensão com salário de 500 mil ienes. Depois montou empreiteira, creche, quadra de futsal e com a crise, passou a investir na agricultura. Ninguém queria lhe arrendar terras, mas com esforço e confiança, conseguiu 13 hectares onde cultiva verduras e legumes. Seu sistema é de meeiro e ele trabalha com 15 brasileiros. “Cada um tira limpo 400 mil ienes por mês”, me disseram. “Então, o faturamento bruto deles é de 6 milhões de ienes por mês, vendendo verduras. Quem pensou que brasileiro um dia fosse trabalhar na agricultura no Japão? Quem tem criatividade e iniciativa consegue. Então tem gente que consegue aproveitar a crise e ganhar dinheiro”.

Manaus e BRICs
Para Ninomiya, a figura ideal do futuro do dekassegui que imaginávamos há 20 anos atrás, se espelha nos brasileiros que trabalharam no Japão e retornaram para trabalhar em fábricas japonesas instaladas no Brasil. “Era assim que pensamos que seria, o brasileiro que trabalhou no Japão, aprendeu o idioma e os costumes, conheceu a atmosfera de uma fábrica japonesa e estaria apto a trabalhar em uma empresa do Japão com filial no Brasil. Por que isso não aconteceu antes?”, questiona. “Felizmente hoje já é uma realidade. Empresas como Honda ou Yamaha estão contratando brasileiros com esse perfil, para liderar grupos de 10 ou 15 funcionários locais, para servir de intermediador com engenheiros japoneses”.
O palestrante visitou Manaus para conhecer de perto essa nova tendência. “Conversei com alguns brasileiros e me disseram que não ganham salário igual do Japão, mas é bem maior do que ganhariam em São Paulo, e por essa razão escolheram Manaus”.
“Até 2009 não tinha visto um fenômeno assim, pois houve uma procura de empresas japonesas querendo se instalar no Brasil. Hoje temos os países do BRICs, defendendo que no século 21 surgiriam o poderio do Brasil, Rússia, Índia e China e que iriam se sobrepor no cenário econômico mundial”, lembra o palestrante. “Por isso, acredito que a experiência adquirida no Japão sendo aproveitada no Brasil por uma empresa japonesa seja o futuro de muitos dekasseguis”.

Empreiteiras
Segundo o palestrante, a maioria das empreiteiras admite que não há emprego para quem vem do Brasil atualmente. Se tiver vaga, contrata os que já estão residindo no Japão. “Ficando no Japão, depois de passar a tempestade, vocês serão os primeiros candidatos aos novos empregos que surgirem. Se voltar para o Brasil, rompe-se o vínculo com o Japão. Para aqueles que ficam, existem mais chances de encontrar novo serviço em comparação àqueles que retornaram”.

O que levar em conta?
Aos que retornam ao Brasil, devem levar em conta o seguinte: rebaixamento salarial. No Japão, chegou a ganhar quatro ou cinco vezes mais, porém no Brasil pode ganhar entre três ou quatro salários mínimos. Quando o presidente Lula tomou posse, o salário era de 200 reais, ao sair, quase triplicou para 540 reais, então o presidente deu uma grande colher de chá aos pobres. Mas o iene também valorizou. Hoje, 1.500 reais equivalem a 75 mil ienes, cerca de metade de um salário que muitos brasileiros recebem hoje em dia no Japão. Ganhar 300 ou 400 mil ienes como antigamente, acho que vai ser muito difícil.
Fonte: IPC Digital

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