segunda-feira, 8 de abril de 2019

Encontro de soldadoras em Aichi destaca reconhecimento da profissão

Evento no domingo reuniu 16 brasileiras que trabalham nesse setor
1º Encontro de Soldadoras no Japão

O 1º Encontro de Soldadoras no Japão foi realizado no domingo (7) em Chita (Aichi) com a participação de 16 profissionais, entre elas uma com dois meses e outra com 23 anos de experiência. Criado pela soldadora Manuela Barão, que já tem 15 anos de profissão, o objetivo do encontro é dar instrumentos para as mulheres do setor se estabelecerem melhor no mercado, como também criar uma rede de contatos.

A proposta inicial do encontro, segundo Manu, como é conhecida, era iniciar o preparo de novas profissionais de soldagem no Japão, num projeto em parceria com o SOS Mamães no Japão. “Nesse meio tempo recebi mensagens de meninas que já são profissionais, mas que não estão estabelecidas no mercado. Então em vez de trazer novas profissionais, seria preciso estabelecer as que já estão no mercado. Foi quando que decidi fazer esse encontro para nos unirmos e nos fortalecermos, e mostrar que não somos só duas ou três, mas muito mais soldadoras”, explica Manu, como é conhecida.

Manu cita que as soldadoras precisam se reconhecer como profissionais que são, para então serem reconhecidas. E deu várias dicas sobre como elas devem enfrentar as entrevistas de emprego. “Sempre vão apresentar obstáculos para a contratação de uma soldadora, como o fato de ter filhos e terem que sair mais cedo para buscá-los na escola ou quando ficarem doentes. Temos que estar preparadas para isso e mostrar que não são obstáculos e que dá para resolver essas e outras situações”, explica.

Ela reforçou a ideia de como as soldadoras devem se posicionar no mercado, valorizando seu trabalho, tomando cuidado com as palavras com que irão definir suas experiências profissionais. “Jamais diga ‘eu soldo só há seis meses’, mas diga ‘eu soldo há seis meses’. Também não diga que ‘solda um pouquinho ou que faz uma soldinha de nada’. Mude o discurso para uma forma mais positiva. E em vez de dizer que você não sabe ainda certas técnicas, diga que quer aprender”, ensina.

Para Manu, também é essencial que as soldadoras desenvolvam uma rede de contatos, o que pode facilitar e muito a contratação delas em fábricas. “Se uma pessoa lá fala sobre você para o chefe, quando você ligar para ele sobre trabalho, ele já vai saber quem você é”, garante.

E ensinou às presentes ao Encontro a direcionar melhor a profissão, buscando a conquista de novas qualificações, que mostram que a pessoa tem experiência, o que pode fazer a diferença na hora de uma entrevista de emprego.

Manu também falou sobre salário, para que as soldadoras coloquem na balança aquilo que acham que merecem receber, citando que o salário deve ser compatível com a média de mercado, somado à experiência adquirida, às dificuldades enfrentadas e todos os recursos usados na formação. “Tendo várias qualificações, como alguém vai dizer ‘não’ para nós?”, explica.

Histórias
Manu conta que entrou para o mundo da solda após se divorciar e ter que criar dois filhos ainda pequenos. “Eu queria um trabalho que proporcionasse uma vida confortável para nós e que eu não precisasse me matar de fazer zangyo (hora extra). E achei que a solda seria um bom caminho”, conta a organizadora do evento.

Ela conseguiu uma oportunidade em uma empresa para aprender a profissão, mas era solda de robô, não manual. “Com o tempo fui conseguindo qualificações e trabalhei em vários segmentos, como industrial naval, de estruturas. Mas isso tudo foi planejado, depois que vi que a área tem enorme potencial e também pelo fato de ser mulher, para me firmar como profissional no mercado”, relata.

Mas as dificuldades não foram poucas. Ela conta que, certa vez, após fazer entrevista em uma empresa, passou no teste para uma vaga que era disputada por outro soldador. Manu conta que foi aprovada, mas dois dias depois recebeu uma ligação da fábrica com a pessoa dizendo que a empresa não estava preparada para receber uma soldadora. Manu contestou, dizendo que fora aprovada no teste.

A pessoa do outro lado da linha apresentou vários outros argumentos, como o fato de a empresa não ter vestiário para mulheres, nem banheiro feminino. Mas Manu disse que se preciso se trocaria até no banheiro masculino. “Então fui admitida. Após um ano a empresa construiu um banheiro feminino e até admitiu outra soldadora”, diz.

Mas já teve emprego em que nenhum dos funcionários homens a cumprimentavam ou sequer falavam com ela, por ser mulher, considerada uma estranha naquele ambiente de soldadores. Mas ao persistir, foi conquistando alguns e quando deixou aquele trabalho, muitos até se emocionaram.

Letícia Saito veio de Oizumi (Gunma) para o Encontro das Soldadoras atraída pela possibilidade de conhecer outras soldadoras como ela no Japão. “Trabalho como soldadora há dois meses. Comecei nessa área porque eu queria aprender coisas diferentes e sempre me encantou essa parte de metalurgia”, diz.

No seu atual emprego, na parte da manhã ela trabalha no escritório e à tarde vai trabalhar com solda. “Trabalho soldando peças que ficam na parte interna das construções. Estou gostando bastante de trabalhar na área. É um desafio, porque eu sou a única mulher lá. Claro que alguns contam piadas, mas a gente tem sempre que trabalhar em dobro, para se sobressair”, afirma.

Cintia Hokama, de Toyohashi (Aichi), tem 26 anos de Japão, sendo que 23 como soldadora em uma fábrica de navios. “Meu pai veio do Brasil com serviço num estaleiro e dois anos depois vim com minha mãe e irmãos. Comecei como soldadora aos 17 anos de idade”, conta ela, lembrando que sua mãe e irmã também trabalharam como soldadoras, enquanto seu pai e irmão atuaram no setor de pintura.

Cintia disse que embora muitos estranhassem o fato dela ser soldadora, não sofria discriminação no Japão. Certa vez, porém, ao voltar para o Brasil, tentou uma vaga em uma empresa como soldadora. “A pessoa que me atendeu achou que era meu marido quem queria a vaga. E na empresa eles não aceitavam mulheres neste setor. Isso foi há uns 20 anos”, explica.

Por ser uma soldadora com muita experiência, Cintia se tornou até referência na fábrica. “Muitos me consultam sobre como fazer alguns serviços. No mês que vem a empresa quer iniciar solda com robô e destacou duas pessoas para aprenderem a técnica. Uma delas sou eu. Fico contente pelo fato de as pessoas darem importância para o meu serviço. Na semana passada trouxeram uma máquina com eletrodos, mas ninguém sabia mexer. A única pessoa que saiba lidar com a máquina era eu e mostrei como deveriam usar esse equipamento”, explica.

O encontro teve participação ainda de Evelin Hidaka e Fernando Torres, adeptos da Programação Neurolinguística e autores da página “Renove-se”, do Facebook, e também da psicóloga Ivania Veiga, do projeto Tsuru, da organização sem fins lucrativos (NPO, na sigla em inglês) SOS Mamães no Japão. 
Fonte: Alternativa

Nenhum comentário: